domingo, 28 de janeiro de 2007

Pudico

Quando pequeno foi um garoto igual aos outros. Em um sentido estritamente biológico, como poderemos perceber. Era rapaz de muito recato social e de pudor hiperbólico, como haveremos de constatar. E isso é só o que nos concerne de sua pequenitude.
Não creio ter me feito entender quando mencionei seu "pudor hiperbólico". Não creio tampouco fazê-lo ao exemplificar, sendo esse um dos casos de ver para crer, e, mesmo crendo, de surpreender-se quando a verdade em latência -a palavra- torna-se, de fato, ação.
Sem mais delongas para que não te chateies com demasiado longas frases que rodeiam o assunto -como, tomo por provável, ser essa uma delas- vamos aos fatos:
Era caso de o rapaz ser a tal ponto preocupado com todas as naturais excrecências humanas e, talvez, de tomá-las antes por escatológicas a tal ponto de envergonhar-se perante o outro de sua própria, ignorando ser o outro não mais que pessoa humana. Exagero pensar que lhe fosse plausível aos outros não ter, também, com o perdão da palavra, um cu. Não como o seu, epítome do nojo, a despejar impropriedades, qual criança desbocada, ao vaso e depois ao oceano. Isso para não imaginar o que pensava o pobre acerca de sua urina e suor que, se por instruídos sabemos de suas utilidades para o organismo vivo e que, em caso de falta, morreríamos -e, nesse ponto, não justifiquemos seus hábitos por ignorância, pois como nós também o rapaz fora instruído- ele, não obstante, cria mais na sua repugnância que em sua utilidade.
Nesse ponto um leitor mais analítico, como desses acostumados ao jornal, indagar-se-ia, como pode um homem adivinhar o que se passa na cabeça de outro com tal grau de detalhismo ou, ao menos, precisão. A esses vos digo, primeiramente, que habitual é ao gênero humano tomar o outro como simples sistema e, assim, tirada uma conclusão, tomá-la como mais óbvia verdade e certeza que Deus nos deu. Assim, se calhasse encontrar de fato tal criatura e a tivesse julgado dessa maneira, verdade seria para mim e para si, se lhes dissesse ter um mínimo de procedência. Em segundo lugar, gostaria de citar que há profissonais que ganham, em maior ou menor medida, a vida a adivinhar os medos, vontades e razões do outro, sem que lhe façam objeção posto que são pagos, a saber os psicanalistas e toda a estirpe de psi -um dia hei de resolver e cobrar eu mesmo por minhas palavras. Ademais, e este argumento é, por sinal, supremo em texto, em se tratando de uma literatice, uma cria de insone noite, é minha criança e por mim de todo criada, visando um texto (válido lembrar) meu e imprópria lição de moral. Por sinal, minha.
Isto posto, posto isto, retomemos o que antes vinha. Era de tal forma convencido de sua (im)própria imundice que escusava aos outros tomarem ciencia dela. Era sua rotina acordar antes que os outros três horas e, somente após verificar a ausência de um possível insone, seu companheiro em não dormir, ia ao banheiro aliviar suas tripas e bexiga. Posteriormente, tomava um banho com o cuidado de não muito olhar para o corpo, perene lembrança de sujeira e cobria a si por duas vezes e depois de salpicar de perfume, ainda outra vez, de um desodorante que impedia sua transpiração ao longo do dia -a custo de que malefícios ao seu corpo, jamais poderíamos saber, nunca preocupou a ciência determinar conseqüências de uma overdose de desodorante; mais provável é que algum dia, qual tudo na vida, lhe rendesse um excelente câncer nalgum lugar que calhasse reproduzir as células loucamente. Fora essa ocasião de alívio, o resto do dia prendia tudo que lhe fosse possível e o corpo, anos e anos treinado para tal feito, já não reclamava desse ritual matutino e matutino apenas.
Ah!, pensaram alguns, só pode fazê-lo por ser ficção. Que faria uma pessoa de fato humana, de osso carne e nervos, suscetível a uma constipação ou, pelo contrário, como se diz popularmente, cagalheira, aí não poderia ir ao trono somente de acordo com sua própria idéia, vontade e conveniência, e então, o que faria? Digo primeiro: que seja ficcional, vá lá, mas que se preze pela verossimilhança, então vos ofereço explicação: nesses casos, entrava e não havia quem o tirasse do toalete enquanto não estivessem todos a dormir. Aos que não se convenceram, por outro lado, e em respeito às senhoras suas mães, por certo gente de muito fina educação, a despeito de suas pessoas, escuso-me de chamá-los filhos de meretrizes sujas e detentoras de gota, mas não de mandá-los, por gentileza, à merda.
Outro problema a ser resolvido, pensam os homens que já foram algum dia rapazolas, é de como fora sua descoberta de sexualidade, tendo tanto nojo de si e de flúidos que de si viessem. Seu culto onanístico era por certo em menor freqüência que o da maior parte de vós. E se dava de acordo com seus estranhos costumes: a olhos fechados, mão enluvada e papel pronto a aparar qualquer que fosse que partisse de seu sim senhor.
Para resumir não tarde demais a prosa de seus costumes, usarei frase de um colega: "Este não peida nem em elevador vazio.", que, não tomem como apologética ao ato em si, reprovável e condenável, a meu ver, mas como metáfora para o seu comportamento.
Exposto de tal maneira, com tanta crueza e ênfase não no que assemelhava seu cotidiano ao das pessoas ditas normais, mas nos hábitos -ou vícios, que se arrisque a decidir quem souber a diferença- que o diferem e o tornam figura talvez mesmo caricata; assim exposto, parecerá improvável, e de fato o foi, que alguém por ele se enamorasse e ainda mais que fosse moça de vontades e desejos absolutamente normais (em um sentido que transcende o biológico). Devo dizer, no entanto, que não nos cabe descobrir os desígnios e razões dessa palavra que encerra muito mais que suas meras quatro letras, o amor, se me permitem algum lirismo.
O fato é que se apaixonou ela por ele e ele por ela como se dá vez por outra também no mundo real, além dos contos de fadas, onde a exceção é nossa regra.
O romance, obviamente, por outras vias correu que não as usuais, mantendo-se em vista a singularidade de nosso Romeu. Assim, os caminhos que percorremos primeiro ao toque de mãos e depois de linguas depois ao mais íntimo deles, transcorreu de forma irremediavelmente lenta. A própria Julieta em questão viu-se obrigada a romper o paradigma, se é que este ainda há, e foi pró-ativa ela mesma, fazendo mais que somente insinuar-se e passasse a agarrões cada vez mais ousados.
Até o dia que se fez inexorável desde a primeira faísca na troca de olhares. Ia fazer-se homem já uns sete ou oito anos tarde demais e necessário seria mostrar-se ao menos parcialmente nu frente sua parceira. Ela, entretanto, não admitiu parcialidade e o pôs de todo nu e acuado na cama, depois de despir-se ela mesma. Então o inevitável: a mão aqui, a língua ali e sabe lá Deus onde estaria o resto naquele monstro insurgente de oito patas e duas cabeças tremelicando convulsivo.
E já não sentia mais que naturalidade do que outrora lhe fora custoso aceitar. Fora de todo humano sem ser animal e agora era todo sentidos sem ser razão.
E no instante do mais pleno gozo, peidou estrondoso e satisfeito.

sábado, 27 de janeiro de 2007

(Para ser ouvido frente ao JN)

Sacro Ofício

beber todas as dores do mundo:
sofrer virou meu Vício.