Ele tinha uns dois metros e dez de altura e o que faltava em cabelo, sobrava em barba. Engraçado que ele lembrava um personagem de um livro. Talvez fosse o cara do livro que lembrava ele, mas isso é de tal sorte complexo que desanima pensar. A conclusão mesmo é que ele podia muito bem ser um personagem - mas quem, pitoresco ou não, não o é?
E vínhamos subindo aquela puta ladeira, coisa triste aquela hora da madruga, aquela puta ladeira e uma chuva fria. Acrescente dez, vinte, mil cervejas, sabedeus o quanto, e temos um cenário REALMENTE deprimente.
Que merda, cara, ele disse esfregando a mão no rosto, tateando óculos, água, barba, Merda.
O lance dele era nada de mais. Misérias normais, como as minhas e as tuas, só que naquele ponto ou temos tudo claro e resolvido, ou temos um mistério insolúvel. Ele tava no mistério insolúvel, autocrítica & autopiedade, e eu sem saco de bancar o dizedor de “tudo vai se resolver, cara, tudo vai”.
Ladeira cerveja chuva lamento madruga. Num falei nada e ele ‘Que merda, cara, merda’ e eu subindo, dois passos meus pra cada um dele.
Daí ele para. Eu olho. Deita no meio da rua, aquele corpo enorme nas duas pistas.
Me leva! Me leeeeeeeeeeeeva! e eu rio.
Ele não levanta e eu me sento ainda rindo, Me leva!, Me leva!. Não respondi, num era comigo. Só podia ficar rindo, aquele gigante horizontal clamando por um carro em alta velocidade.
Me leeeeeva!, mais rouco e desanimado, Me leeeeeeeeva!, quase um uivo.
Não levou.
Levantei, ele também, olho no olho, sorriso na cara.
Que merda, cara, merda, eu disse.
Ele: ‘vai tudo resolver, cara,
tudo vai’.
quarta-feira, 24 de outubro de 2007
segunda-feira, 22 de outubro de 2007
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